FLASH MOB!

Os amigos pediram e decidi postar meu simplório texto, porém visionário (não havia qualquer teorização online sobre o assunto, sequer entrada na wikipedia), escrito em 2003, sobre o movimento que tomou conta do globo: flash mob! Foi interessante perceber que, surgido naquele ano, seria uma manifestação popular, com o intuito de divertir. Foi publicado num jornalzinho do curso de Artes da Uerj, chamado "Resenhas".


Resenhas, dezembro de 2003, nº3

FLASH MOB!

Um dos movimentos que ultimamente tem "dispersado" meu sono é certamente a flash mob. E isto acontece de forma ambígua e contraditória, porque leva meus pensamentos a um conflito imediato: como posso simultaneamente atribuir um valor negativo e positivo a determinado "objeto de estudo"? E, a partir dessa inquietação, tipicamente pós-moderna, busquei fontes para melhor análise.

Como se trata de um movimento recente, a Internet é onde encontramos material para entender os "tumultos instantâneos": em sites e blogs, que se multiplicam ao piscar dos olhos quando o assunto é flash mob.

O movimento teria surgido em maio desse ano, criado por um grupo underground de Manhattan, conhecido como Mob Project[1] . Trata-se, em linhas gerais, de um grupo de pessoas que se encontram em determinado local e hora, com performance pré-determinada em um roteiro, que são enviados aos participantes via correio eletrônico. E, desde então, tem ganhado projeções globais - mais um motivo para que estejamos atentos às suas repercussões.

Mas o que a flash mob tem a ver com arte? Decerto, encontramos inúmeros comentários refutando totalmente a idéia de que esses tumultos tenham algo de cultural. Há alguns dias, li um artigo de Affonso Romano de Sant´Anna, que levantou a questão do niilismo criado por Duchamp, dizendo que flash mob é um produto típico de uma sociedade superficial.

Flash mob, aos meus olhos, parece estar intimamente ligada aos happenings realizados nos anos sessenta, mesmo que não partam exatamente dos mesmos paradigmas. Kaprow[2] tentava combater os intermediários da Arte, e a partir daí, elaborou uma forma de expressão onde todos pudessem colaborar. As duas manifestações possuem uma estrutura similar, já que em ambas temos performances e um script direcionando seus co-autores. Se o Happening pretendia articular sonhos e ações coletivas, pode ser que os nossos sonhos, em pleno século 21, estejam um pouco anuviados, em contrapartida, mais coletivas que nunca - por tratar-se de uma comunidade urbana e global.

Hoje, ocorrem flash mobs em escala mundial, sem que haja um lugar fixo de realização. Pode ocorrer em São Paulo, em Boston ou Londres, permitindo assim, que fronteiras sejam inexistentes, e é um movimento cambiante, capaz de agregar inúmeras situações, onde a mídia torna-se grande flexibilizadora das ações. Apolítica, gratuita, são algumas das taxações feitas pelos antimobs, que se organizaram imediatamente para retaliar o movimento. Mas o caráter efêmero é próprio do que ele pretende ser. Tal como os happenings, não são acontecimentos que estão à venda. Sobre quais valores nossa sociedade está localizada? Já há algum tempo não podemos falar em bases sólidas, principalmente no que tange à arte.

Talvez haja mais arte na vida, que na própria arte - era um dos lemas do idealizador dos happenings, Allan Kaprow. E, talvez, divertir-se possa ser um ótimo motivo para que essas mobilizações aconteçam. Pelo menos, para mim, arte tem que promover alguma reação no meu mundo sensível, e, pode divertir sem multiembasamentossuprateóricos. "Brincadeira e o uso brincalhão da tecnologia sugerem um interesse positivo nos atos da contínua descoberta. A atitude brincalhona pode tornar-se no futuro próximo um benefício social e psicológico."[3] Parece que o "futuro próximo" chegou...


[1] http://www.mobproject.com/
[2] Allan Kaprow foi o criador do "Happening".
[3] KAPROW, Allan. A educação do Não-Artista, Parte I. Concinnitas. RJ, ano 4, nº 4, mar. 2003. p. 223.


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