O Deserto do Saara
"O deserto é um oceano..."
Lawrence da Arábia
Após a leitura de "A arte de viajar", do Alain de Botton, tive vontade de usar uma de suas frases sobre uma zona árida: Parti para o deserto para me sentir pequeno. Escolhi o Deserto do Saara para passar o meu aniversário. O Saara é o maior deserto quente do mundo e pode ser alcançado a partir de vários países do norte da África, como Egito, Argélia, Líbia, Marrocos, etc.
Procurei pacotes de 2 dias de viagem para o deserto, os preços variam entre 60 e 900 euros. Fiz contanto com uma agência, todavia, depois vi a péssima reputação no tripadvisor.
Perguntei, via e-mail, ao dono do riad que me hospedaria em Marraquexe sobre as excursões e tentou, a todo custo, me fazer desistir da ideia, pois acha muito cansativo, mas válido para quem tem 4 dias ou mais apenas para o deserto.
Deixei para escolher a agência em Marraquexe e acabei pagando 4 diárias por lá, para a eventualidade da desistência do roteiro. Assim que cheguei no riad, perguntei ao dono se poderia agendar uma excursão para o dia seguinte. Prontamente ligou e fechou por 70 euros. Para quem tem tempo, sugiro ir até o bairro de Guéliz, cidade nova fora da medida, onde ficam a maioria das agências de turismo. Uma das meninas que estava no meu grupo pagou 25 euros após negociação!
Acordei às 5:30h com o chamado para a oração, vindo da mesquita ao lado do riad, e foi ótimo pois deveria estar na frente do Palais de Bahia às 7h. Embora o café da manhã fosse servido a partir das 8h, no riad, Laurent pediu para me servirem antes e fez outra grande delicadeza: solicitou que um funcionário me levasse até o palácio, onde a van me buscaria! Isso foi incrível, pois as ruas da medina ainda estavam completamente vazias e escuras.
Arrumei minha mochila com duas camisas, protetor solar, renu, óculos, óculos de sol, papel higiênico, sabonete, casaco e água. Depois me arrependi de não ter levado chinelos.
Chegando em Guéliz, me juntei aos outros integrantes do grupo, todos europeus. Ressalto que um casal de meninas, uma suiça e outra francesa, foi essencial para que os dois dias fluíssem da melhor forma possível. Pois a francesa, Amélie, falava sem parar e em qualquer idioma, traduzindo as informações do motorista sobre as paradas e a conversa do grupo, pois alguns não falavam francês e outros não falavam inglês.
Primeiramente paramos em uma montanha, para usarmos o banheiro e tirarmos fotos. Durante o percurso pela montanha muitos enjoaram, na volta, também não me senti muito bem com as inúmeras curvas.
A primeira longa parada foi em Ksar of Ait-Ben-Haddou, cidade fortificada considerada Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco. Foi construída pelos que seguiam a rota Saara/Marraquexe. As casas se aglomeram dentro das muralhas defensivas, que são reforçadas por torres de canto. É um exemplo notável da arquitetura do sul do Marrocos, com construções de barro pré-saariana.
A
cidade serviu como cenário para diversos filmes: Gladiador, Alexandre,
Lawrence da Arábia, Múmia, Príncipe da Pérsia, O legionário, Indiana
Jones, A joia do Nilo, The game of Thrones, Babel, Édipo rei, A última tentação de Cristo, O homem que sabia demais. Uma equipe de filmagem trabalhava por lá. Também informaram que destruíram o cenário de "Gladiador" para não descaracterizar a cidade.
Meu pesadelo gastronômico começou no almoço, servido num restaurante dentro de Ksar, tinha algumas opções no cardápio. Escolhi a sopa + o cuscuz marroquino + as frutas da estação por 60 dirham. Apenas consegui tomar a sopa, pois meu estômago rejeitou o cuscuz marroquino (percebi como sou chata para comer, pois todos na mesa ingeriram tudo), as frutas se resumiam em laranja e banana. Comi 5 bananas para garantir minha sobrevivência.
A próxima parada: o centro de Ouarzazate, cidade conhecida como "a porta do deserto". Passamos diante de um enorme estúdio de cinema, com grandes esculturas egípcias, e descobrimos que é a "Hollywood marroquina". O motorista nos deu 45 minutos para visitarmos o "Museu do Cinema". Amo cinema, mas estava com tanto calor que não conseguiria concatenar qualquer informação naquele momento, então, em comum acordo, decidimos sentar num restaurante.
A última parada foi na porta de um mercado, para comprarmos o que seria necessário para comermos no deserto. Mesmo com uma garrafa de água intacta, decidi comprar outra garrafa, dois biscoitos e um refrigerante. Antes de voltar para a van, comprei um lenço verde para criar um turbante que caracterizaria meu personagem.
Finalmente chegamos num local cheio de dromedários (sim, não vi um camelo sequer, apenas dromedários). Cada pessoa senta no dorso do animal, que se levanta. Seguem todos enfileirados rumo ao desconhecido. Já passava das 20h e escurecia. Foi o pôr do sol mais bonito que vi, apesar do incômodo daquele meio de transporte, todos os elementos construíam um cenário perfeito, além do que havia imaginado.
Sobre o dromedário (uma corcova) |
Chegamos no acampamento, em Zagora, e nos dividimos, pois cabiam 8 pessoas em cada tenda. Tendas com iluminação (energia solar), colchões e cobertores. Pela primeira vez dormiria com pessoas que jamais havia visto na vida, mas estava muito tranquila e feliz.
Deixamos as bolsas e ficamos numa outra tenda para jantarmos a comida feita pelos berberes, povo que habita o deserto. Primeiramente nos serviram um chá quente. Depois recebemos uma sopa, o cuscuz com frango (só comi o frango) e laranjas.
Companheiros de viagem: Alween, Olivia, Ines, Amelie, Hannah, Apoline e Elise. |
Estava muito incomodada com as lentes de contato e queria colocar os óculos. Com algum receio, perguntei sobre a existência de um banheiro. E ficava no meio de uma duna, mas tinha água, sanitário (aqueles que ficam no chão e são comuns na Ásia também), luz e espelho!!!
A lua se apresentou de uma forma jamais vista: tinha um enorme halo envolta e o japonês que se juntou ao grupo tardiamente gritou espantado! Eloise, uma linda belga de 8 anos, tentando conversar comigo, em francês, exclamou "Trés beaux, trés magnifique!!!"
Conversei
com Hassam e eles realmente são nômades e vivem apenas no deserto. Sempre montam a tenda em um
lugar diferente. Inclusive, ele não falava francês como a maioria dos
marroquinos, só berbere (!) e espanhol. Um rapaz super simpático.
Pude confirmar que as noites são mais frias no deserto e segui para a fogueira criada pelas berberes. Com as meninas alemãs, sentei e apreciei o som regional. Depois tentei batucar com eles, mas não tenho talento musical.
Na tenda, deitei e me senti grata por poder apreciar essa maravilha disponível no mundo e, apesar de não gostar de aniversários, senti que recebi o melhor presente. Aqui vemos o desprendimento com conforto ou qualquer outra futilidade.
O dia começou às 6h. Todos se levantaram para ver o sol nascer. Após a belíssima apresentação da natureza, tomamos o café da manhã oferecido pelos berberes. Olha, as condições higiênicas realmente não são as melhores. Os pratos e talheres não parecem muito limpos, mas quem se importa estando no deserto? Comemos pão, geleias e chá.
Com a mochila no dromedário, segui em direção à cidade. Uma verdade absoluta é que minhas nádegas ficaram assadas e doloridas! E nem consigo imaginar uma vida montando em dromedários. Durante o percurso lembrei da minha sobrinha mandando eu cantar uma marchinha de carnaval que adora "Atravessamos o deserto do Saara, o Sol estava quente, queimou a nossa cara.
Allah-la-ô, ô ô ô ô ô ô."
Na volta, poucas paradas, apenas para o almoço e para visitarmos uma região com palmeiras - finalmente estávamos em Marraquexe, às 16h, antes mesmo do horário estipulado.
Num relato cheio de citações, termino com Confúcio "Onde quer que você vá, vá com todo o coração."
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