Marraquexe - 2ª parte

 

O motorista me deixou na porta do Souk das especiarias, na volta do Deserto do Saara, e tive que relembrar o trajeto rumo ao riad: seguir uma reta e virar à esquerda, outra reta e virar à esquerda e entrar na rua à esquerda e localizar o quarto portão à direita. Adaptada ao labirinto que é a medina, entrei e fui tomar um banho demorado - fazia 36 horas desde o meu último banho!
 

babouches

Depois fui ao terraço do riad (casa transformada em um pequeno hotel) para observar uma construção tipicamente árabe. São casas totalmente fechadas para o exterior, com um pátio interno ajardinado (principalmente para que as mulheres não sejam vistas) e possuem sempre um terraço.



Ao lado tinha uma mesquita com seu minarete, torre alta e fina, de onde o muezim conclama os muçulmanos às orações - ocorre 5 vezes ao dia. Em Marraquexe, as mesquitas só podem ser visitadas por muçulmanos. Em Casablanca, a mesquita Hassan II é aberta ao público.


Precisava comer e saí em direção à praça Jemaa El Fna. No caminho, parei numa loja para ver os preços do Óleo de Argan. Fiquei surpresa que não é utilizado apenas em cosméticos. É comestível. Compreendi ainda porque é considerado "o ouro do Marrocos". Uma garrafinha de 100 ml custa 15 euros! O senhor me convidou pra entrar e provar pão com argan e com uma mistura de óleo, amêndoas e mel. Muito bom.


Existe um restaurante que tem uma visão frontal da praça, que ainda não tinha observado ao escurecer. Subi no terraço do "Café de France". Fui ao terceiro andar e o garçom foi gentil, mesmo achando que queria apenas fotos, no entanto, informei que queria comer pizza e tive que descer para o segundo andar, pois lá só servia bebidas. No segundo andar o garçom me irritou muito, pois informei que aguardaria uma mesa com vista e após 20 minutos ele simplesmente deixou um casal, que chegou após e já estava em outra mesa, sentar. Fiz um escândalo. Os italianos levantaram. Minha dúvida é se o descaso era pelo sexo feminino ou por estar sozinha e gastar menos.

 



Comi minha pizza siciliana e fiquei observando a loucura maravilhosa daquela praça e, de repente, o relógio já marcava 23:30h! Finalmente veria como são as ruelas da medina no período noturno. Pude constatar que as ruas são bem iluminadas nos lugares de maior movimento, contudo, nos souks, muitas vezes cobertos, você não vê muita coisa. Na última curva do labirinto, um rapaz falou, em francês, algo mais agressivo: "Quanto você quer para deitar comigo?". Se estivesse em qualquer outro lugar, daria uma lição nele, mas num país arcaico que acha que mulher sozinha é prostituta, achei melhor seguir em frente. 



No dia seguinte, acordei por volta das 9 horas, tomei um banho e desci para o café da manhã. Muito bom o café do riad, continha suco de laranja, pães, omelete, iogurtes, geleias, panquecas. Depois segui em direção à joia de Marraquexe: o Jardim Majorelle. 

Na saída do riad, no souk das especiarias, o vendedor Mustafá foi super receptivo e me mostrou a função de cada erva que tinha, fez chá e me deu o famoso lipstick que vendem (é um batom feito de um material vermelho que aparenta barro). Aproveitei e perguntei quando um taxista normalmente cobra até o jardim. A resposta foi entre 20 e 30 dirham.


Já nas proximidades do Palácio de la Bahia, fiz sinal e um táxi parou. Perguntei o preço e me mandou entrar. Queria 50. Disse que desceria. Falei que só pagaria 20. Ele disse que o carro dele era novinho e ficou resmungando. No fim dei 25 dirham. No caminho pude observar um pouco da cidade nova, fora da medina. Só homens frequentam os cafés (não existem bares, uma vez que, em tese, as bebidas alcoólicas são proibidas naquela religião).

O Jardim Majorelle tem uma das paisagens mais fantásticas que já apreciei. Jacques Majorelle, filho de um célebre designer de móveis, Louis Majorelle, foi para Marraquexe em 1919, para dar continuidade à carreira de pintor. Adquiriu o espaço em 1924 e iniciou o processo de paisagismo do jardim que hoje conhecemos. Em 1947 abriu o jardim ao público.





Desde que foi adquirida por Pierre Bergé e Yves Saint Laurent, a propriedade passou por restaurações e foi doada à Fundação Pierre Bergé, marido de YSL. As imagens da casa e do jardim podem ser observadas no documentário "O louco amor de Yves Saint Laurent" (L´amour fou). As cinzas do estilista foram jogadas no jardim e lá encontramos um memorial. A entrada para o jardim custa 50 dirham e para o Museu Berbere custa 25 dirham.



O Museu Berbere fica no interior do Jardim Majorelle e é pequeno, mas muito bem organizado. Foi inaugurado em dezembro de 2011 no antigo estúdio de Jacques Majorelle. Representa o rico panorama das diversas tribos do Norte da África. São mais de 600 objetos, das Montanha Rif ao Deserto do Saara, dentre eles: joias, armas, couro, roupas. O povo berbere é grupo étnico nômade de origem camita que habita o Norte da África desde a pré-história, vivendo hoje principalmente nas regiões montanhosas (Atlas e Rif no Marrocos) e em grande parte do deserto.

Exatamente no memorial a YSL, encontrei as duas alemãs que estiveram comigo nos dois dias anteriores no deserto, Hannah e Ines. Normalmente peço a qualquer pessoa para tirar minhas fotos, sem constrangimento, mas com duas conhecidas ficou melhor. Elas não tinham comprado o ingresso para o museu, mas se oferecem para me esperar para continuarmos as visitas a outros sítios juntas. Aceitei e achei a oferta de uma simpatia sem igual.
Memorial dedicado a YSL
Seguimos caminhando até a medina, mas paramos para lanchar num café. Apenas homens estavam no ambiente. É bem estranho ver que as mulheres não podem sentar num local para comer ou beber com as amigas. Depois de descansar daquele sol intenso, mais 30 minutos até o destino pretendido. 
Do Jardim Majorelle até a medina
A cidade nova é completamente diferente da medina, se não fosse pela condição da mulher, seria como qualquer outra grande cidade. As mulheres possuem um lugar especial na parte traseira do ônibus. Nem posso criticar pois prefiro andar no vagão feminino no metrô do Rio. 
Cidade nova
Uma das portas da medina
As ruas são amplas, os ônibus são novos, hotéis grandes. Parece uma cidade bem segura. Outra coisa interessante é observar as inúmeras laranjeiras que colorem as ruas de Marraquexe. Vemos ainda as muralhas e portas centenárias que cercam a cidade antiga.

Já nas proximidades da medina, avistamos o símbolo da cidade, a maior e mais representativa mesquita: Koutoubia
A Mesquita de Koutobia
Minhas amigas alemãs



Esbaforidas e exaustas paramos na Jemaa El Fna para tomarmos um suco de laranja e seguirmos em direção à Medersa Ben Youssef. Aqui entendemos a classificação de patrimônio mundial da Unesco pra medina de Marraquexe. O madraçal era uma escola islâmica onde estudantes decoravam o Alcorão. Foi fundada pelo sultão Abu el Hassan. O lugar é de uma beleza ímpar e a arquitetura árabe é maravilhosa.

 




As meninas não quiseram pagar, mas ficaram me esperando, novamente (na verdade, são estudantes de 21 anos e já estavam há duas semanas em solo marroquino - sem dinheiro praticamente). O ingresso custa 50 dirham, e, com mais 10 dirham pode visitar o Museu de Marraquexe.

Sempre vemos fotos do curtimento de couro em Fez, mas, fui informada que não deveria passar da região do madraçal, pois o povo que habita a região de "Tanneries", onde ficam os curtumes de Marraquexe, é muito agressiva e não trata bem os turistas. Provavelmente é necessário contratar um guia para seguir até aquele local.

Nossa tarefa seguinte era procurar um Hammam, o famoso banho turco, num local bom e que ao mesmo tempo tivesse um preço acessível. Optamos pelo Hammam Ziani, próximo ao Palácio de la Bahia. Paguei 150 dirham (não incluía massagem). Você tem que tirar a roupa e guardá-la num armário, posteriormente uma mulher te dá um banho e você fica na sauna. Após perder muito líquido, recebe esfoliação pelo corpo e, pra finalizar, seu corpo é ensaboado e lavado.
Sala para relaxar tomando chá após o hammam
Pode ser feito em saunas públicas ou privadas. Na privada, que escolhi, pode ser feita individualmente ou em grupo. Fiz com minhas novas amigas alemãs. Sou bastante tímida para me despir na frente de outras pessoas e objetivava fazer sozinha, mas entrei no clima das alemãs, que estavam bem confortáveis e nem queriam a minúscula tanga que oferecem. Considero uma experiência única! Indico de olhos fechados.
Para finalizar o dia, procuramos um restaurante com vista para a praça principal e, novamente comi pizza (lembro que fica ao lado do restaurante El Waha e tinha uma vista maravilhosa da praça). Nos despedimos e espero revê-las algum dia. Adorei a companhia durante o dia e, numa viagem sozinha, o inesperado sempre pode acontecer.

Segui para o riad e arrumei minhas malas. No dia seguinte partiria para Madri num vôo às 13:45 h. Acordei e tomei o café, fiz o pagamento, agradeci a simpatia do Laurent e fui comprar a Mão de Fátima (hamsá, um talismã com o formato de mão). Voltei ao riad e peguei as malas. Segui pelo souk até o Palácio de la Bahia para negociar o táxi. Disse que pagaria 50 dirham, o taxista pediu 70, já sem muita paciência concordei. No fim, o taxista disse que poderia pagar apenas 50. Disse "agora você vai receber 70 porque não aguento mais negociar nada com ninguém." Ele riu e agradeceu.

Nos aeroportos de países muçulmanos já notei que é praxe ter alguém para passar a mão pelo corpo para uma revista final. Aconteceu em Doha, no Qatar, agora em Marraquexe. Entrei numa loja do aeroporto, com o objetivo de zerar o crédito do meu Visa Travel Money, e comprei óleo de argan e pistache.

Minha conclusão é: a pessoa ama ou odeia o Marrocos. Por ser viajante solitária, enfrentei mais dificuldades, no entanto, adorei a cidade de Marraquexe e voltaria. Para mim foi tudo muito novo e surpreendente. Me sinto pronta para desbravar Fez, sozinha, claro.

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