Jean-Michel Basquiat e o multiculturalismo

Capítulo 5
Multiculturalismo

“Basquiat representa uma das classes da sociedade americana às quais as barreiras sociais impedem, geralmente, o acesso à arte.”

(Klaus Honnef, 1994, p.160.)
 
 
Para Terence Turner, a crítica do multiculturalismo procura usar a diversidade cultural como base para a mudança, para a revisão das noções básicas e princípios comuns para a cultura dominante e para as minorias culturais, e a partir daí, construir uma outra, uma aberta e democrática cultura comum (1994, p. 408). Seria uma revisão cultural, que é principalmente uma crítica ao Eurocentrismo, onde entrariam os negros, os latinos, as mulheres, os gays. Podemos exemplificar com o estudo da história da arte, que é a história da arte européia, e estudamos separadamente, de uma forma quase solta no tempo, a arte pré-colombiana, arte primitiva, arte oriental, como se as mesmas não existissem nas abordagens de “A história da arte”. A existência de uma “alta” e uma “baixa” cultura sempre serviu como regra para marginalizar a produção das minorias. A “cultura” permanece como propriedade de um único grupo ou raça, mas aos poucos, o pensamento do multiculturalismo vem reivindicando uma posição de reconhecimento liberal do fator de heterogeneidade da cultura. Cultura para os multiculturalistas, refere-se principalmente a coletividade das identidades culturais, engajadas por lutas de igualdade, não pela busca de hegemonia.

Para Stuart Halll, o sujeito pós-moderno não teria uma identidade fixa, ou seja, estaria em constante mudança, essa mudança seria decorrente das transformações no sistema cultural. Ele coloca que “...somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar...” (2002, p.12). Se olharmos por esse ângulo, podemos dizer que Basquiat estaria permeado por várias influências, sendo provavelmente como muitos de nós, o fruto de uma sociedade com características contraditórias, que se contraditória, também inconstante. Como personagem da maior metrópole do mundo, Nova Iorque (onde, talvez, todas as identidades se permeiem), temos que constatar o fato da pluralização das identidades já que Jean era negro, descendente de latinos, oscilantemente pobre e rico, com comportamento bissexual. Então qual identidade prevaleceria? Seria a identidade étnica, sexual, de classe social, ou todas ao mesmo tempo? Pode ser que, em nenhum momento ele tenha se sentido Americano, por talvez não se identificar com a “americanidade”— o conhecido “american way of life” — que Hall põe como a questão da “identidade cultural nacional”, sistema simbólico e de representação. A representação de cidadão americano, transmitida a ele não coincidia com a imagem de como ele se via. O fato de vivenciarmos a realidade de uma sociedade globalizada traz à tona inúmeras problemáticas, entre elas, a existência de uma linguagem artística “pura”, de um artista não influenciado, de uma obra desvinculada do âmbito global...

Basquiat fazia questão de mostrar toda sua identidade negra em sua obra. Sua admiração pelos negros que conseguiram alcançar os patamares mais altos na sociedade é mostrada pela escrita dos seus nomes na tela, como em uma atitude de agradecimento de terem sido precursores do multiculturalismo, pois quanto mais ficassem evidentes, tornando-se ícones, a atenção seria maior em relação às minorias (ou simplesmente, a cultura não-hegemônica). Vemos nomes como Jack Johnson, Cassius Clay, Sugar Ray Robinson, Miles Davis, Max Roach (imagem 3), Charlie Parker. Frases como “famous negro athletes”, palavras como colonialization, savage, mission noble. Imagens de escravos acorrentados. Suas referências negras, porém, em grande maioria, eram do esporte e da música.

Como visto no filme Basquiat: traços de uma vida (Schnabel, 1996), ou mesmo em outras entrevistas ou artigos, quando o perguntavam sobre o porquê da utilização de negros na maioria de suas obras, ele dizia que desde cedo havia percebido que não havia muitas pinturas com negros. Richard J. Powell coloca que: “Basquiat, and the other iconographers used black subjects (and sometimes actual figures) to revisit the cultural nationalist’s goals of reconizing and celebrating distinctiveness, but with a postmodern difference.” (1997, p. 169.). Ele mostrava o que poucos haviam mostrado, reinterpretando formas e símbolos negros, com uma diferença dos demais artistas negros daquele momento: ele tinha a consciência de que o que ele fazia em Nova Iorque estaria em pouco tempo na Suiça, e sendo assim, muitas pessoas teriam acesso ao seu trabalho e seu ponto de vista em relação ao ambiente em que vivia; ele seria consumido e absorvido por muitas pessoas em todo o mundo.

Encontramos uma argumentação de Olívio Tavares de Arújo, que diz que não existe nada de negro em Basquiat “...há uma grande diferença entre uma arte feita por negro (que não se preocupava em ter alma branca e descia a suas contingências e desvãos sombrios) e uma arte negra, ou da negritude.”, ele defende seu ponto de vista com o pressuposto de que arte negra é quando se utiliza uma simbologia negra, como o candomblé, que seria muito distinto de uma arte feita por um negro permeado por influências (Jean-Michel Basquiat: pinturas, 1998, p.24). Esta é uma defesa controversa em alguns pontos: mesmo sendo influenciado por inúmeros fatores culturais, um negro pode fazer uma arte que não seja negra? Uma mulher pode fazer uma arte que não seja feminina? Em que residiria essa negação? Se analisarmos a partir de Hall, poderíamos dizer que a identidade é móvel, e não existindo algo fixo, como nasceria o protótipo “arte negra”? Mas existe também o fator “jogo de identidades”, onde haveria uma identidade que prevaleceria, por questões políticas. Sendo assim, ao representar negros em seus quadros, ele não estaria se localizando e tomando partido?

Podemos dizer que são muitas as perguntas que poderiam ser feitas dentro do multiculturalismo em Basquiat, e que não necessariamente tenham que ter uma resposta, já que por muitas vezes é a qualidade da ambigüidade a certeza de uma obra.

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