Basquiat: traços de uma vida

Basquiat: traços de uma vida é o primeiro filme do artista plástico Julian Schnabel, contemporâneo de Jean-Michel Basquiat. Em algumas entrevistas, concedidas à imprensa no lançamento do filme, Schnabel disse que gostaria de mostrar a herança cultural deixada por Jean, e não falar de um artista-negro-usuário-de-heroína. Todavia, o filme evidencia com mais vigor a relação do artista com o sistema de arte e suas estratégias, tornando menos relevantes os questionamentos sobre sua obra.
 
 
  
O elenco do filme é repleto de astros e estrelas (hollywoodianas), tais como: David Bowie, Courtney Love, Benicio del Toro, Gary Oldman, William Defoe, Dennis Hopper, Claire Forlani e Tatum O’neal.
 
Schnabel disse que procurou um artista desconhecido para interpretar Jean-Michel, pois seria importante que o público acreditasse ser o próprio artista. Jeffrey Wright parece ter conseguido o esperado pelo diretor, declarando que a escolha foi “um momento mágico”. A semelhança entre o ator e o Basquiat é realmente enorme, e a partir daí a cinebiografia consegue aproximar o espectador do Jean real. O laboratório do ator incluiu aulas de pintura — para que ele compreendesse o processo de criação —, estudo dos movimentos, dos gestos e do timbre de voz.
 
Embora a narrativa pareça um tanto glamorosa, Schnabel, como artista plástico, observou de muito perto a carreira de Basquiat, e ambos tinham os mesmos amigos e agentes. No filme, Schnabel cria o personagem Albert Milo, vivido por Gary Oldman, que o representou.
 
Enquanto aparecem os créditos com os nomes dos atores, no início do filme, são mostrados o menino Jean e sua mãe Matilde, quando ele tinha aproximadamente seis anos, diante da grande obra de Pablo Picasso “Guernica”, no MoMA — seu contato com a arte nasceu desde muito cedo. A coroa é destacada, que em forma de animação aparece na cabeça de Jean-Michel — a coroa será um símbolo constante em toda sua trajetória artística.
 
Então o filme inicia com Rene Ricard — crítico de arte da revista Artforum, que escreveu o primeiro artigo sobre Basquiat — sentado em um banco, em 1979, onde ele diz: “Ninguém quer ser de uma geração que ignore outro Van Gogh.” Sobre essa questão, haverá inúmeras críticas sobre a crítica de arte — de que os críticos passaram a não emitir suas opiniões, aceitando tudo, por medo de serem injustos com um gênio.
            
O filme narra a história do grafiteiro, sem-teto, ávido por sucesso, que conseguiu chegar ao topo, porém, não evidencia a qualidade de sua obra, deixando mais claro a trama de interesses do mercado, que culminou no sucesso de Basquiat, e que também participou no seu declínio.
 
 
Sobre o filme, Affonso Romano de Sant’anna destacou: “...aquele Basquiat, que saiu da sarjeta para o ciclo de amigos de Andy Warhol, numa grande operação de marketing mostrada no filme ‘Basquiat’ - que deve ser visto para se entender as relações entre ‘arte contemporânea’ e marketing.” Talvez a crítica possa ser compreendida: em muitos artigos é colocado que Jean-Michel reunia o que o mercado precisava naquele momento, como Robert Hugues mencionou, ele era a criança selvagem, um primitivo urbano, que foi, na verdade, utilizado por um mercado de arte que tem obsessão por novidades. E o filme deixa evidente a grande articulação do sistema de arte, envolvendo galeristas, colecionadores, críticos, e mesmo de artistas — Andy Warhol é apresentado como o melhor amigo de Basquiat, e muitos afirmam que ele o manteve no auge por algum tempo, porém existem controvérsias a respeito.
 
Schnabel afirma que tudo mostrado no filme realmente aconteceu, ele diz ter sido testemunha ocular de 90% daqueles eventos — o que constrói a imagem de um artista interessado em fama, e não muito em arte. E essa abordagem pode ser delimitadora e excludente: é necessário observar as obras para emitir qualquer parecer sobre Jean-Michel. Para um espectador sem conhecimento prévio de seus trabalhos provavelmente ficará a imagem de um artista construído, como uma figura interessante, todavia, com uma obra irrelevante. O que ocorre, por muitas vezes, é que sua vida ofusca sua obra. Então, para que haja discernimento, é necessário analisar a vida conjuntamente com a obra — que consegue, no mínimo, agenciar inúmeras qualidades plásticas.

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